
Feriados esquecidos são observâncias que um dia foram oficiais e amplamente celebradas, mas que desapareceram do calendário público — seja por mudanças políticas, reformas de calendário ou simples rebranding. Este artigo explica por que essas datas surgiram, como caíram em desuso e de que forma algumas retornam como “dias de patrimônio”. Também mostra como elas sobrevivem em cronologias do tipo “On This Day” e em comemorações locais.
O que são “feriados esquecidos” e por que isso importa?
Chamamos de feriados esquecidos as datas comemorativas que perderam status legal, foram renomeadas ou abandonadas, mas ainda persistem na memória coletiva. Entender sua ascensão e queda ajuda a decifrar disputas de identidade, transições de regime e mudanças culturais — afinal, o que uma sociedade decide celebrar (ou deixar de celebrar) diz muito sobre seus valores.
Por que feriados desaparecem?
Há padrões recorrentes quando observamos a vida e a morte de feriados e observâncias:
- Mudanças políticas e de regime: novas ordens redefinem o panteão cívico. Golpes, transições democráticas e independências costumam “limpar” o calendário.
- Reformas de calendário: ajustes litúrgicos ou civis, adoção de novos calendários (como o gregoriano) e a transferência de feriados para segundas-feiras para favorecer o turismo e a economia.
- Rebranding: o feriado permanece, mas com novo nome e significado, muitas vezes para incluir mais vozes ou atenuar conotações controversas.
- Secularização e prioridades sociais: feriados religiosos podem ganhar versões mais “civis”; efemérides militares dão lugar a valores de reconciliação ou diversidade.
- Integração global e logística: cadeias produtivas internacionais e calendários escolares influenciam a padronização e a redução de datas locais.
Casos emblemáticos de ascensão e queda
Império Britânico e Commonwealth: do Empire Day ao Commonwealth Day
O Empire Day, celebrado em 24 de maio (aniversário da rainha Vitória), surgiu no início do século XX como demonstração de unidade imperial. Com o declínio do império e a formação da Commonwealth, a data foi gradualmente perdendo centralidade. Acabou renomeada como Commonwealth Day e, mais tarde, transferida para a segunda segunda-feira de março. O conteúdo simbólico mudou: de exaltação imperial para cooperação voluntária entre países soberanos. É um caso clássico de rebranding, não de extinção pura e simples.
União Soviética e pós-soviético: da Revolução de Outubro ao Dia da Unidade
Na URSS, o aniversário da Revolução de Outubro era um dos feriados mais importantes. Por causa da mudança de calendário, celebrava-se em 7 de novembro (equivalente, no gregoriano, ao 25 de outubro juliano de 1917). Após o fim da URSS, a Rússia passou por reconfigurações: por um período houve o Dia de Acordo e Reconciliação, e em 2005 instituiu-se o Dia da Unidade em 4 de novembro, deslocando a ênfase simbólica. Ainda assim, grupos e partidos seguem marcando o 7 de novembro de modo extraoficial — um exemplo de como feriados “perdidos” sobrevivem na militância e em cronologias históricas.
Alemanha imperial: Sedantag
O Sedantag (2 de setembro) celebrava a vitória prussiana na Batalha de Sedan (1870), um pilar identitário do Império Alemão. Com a queda do império em 1918, a data foi abolida. Hoje, ressurge ocasionalmente em reenactments e em museus locais, mas sem caráter oficial — um típico “feriado esquecido” que persiste como patrimônio histórico.
França: Saint-Napoléon
Instituído por Napoleão, o Saint-Napoléon combinava devoção cívica e culto ao líder. Abolido com as mudanças de regime ao longo do século XIX, reaparece apenas em eventos culturais e acadêmicos, como curiosidade histórica. É um lembrete de como cultos de personalidade geram efemérides de vida curta.
Itália fascista: Giornata dell’Impero
A Giornata dell’Impero celebrou a conquista da Etiópia em 1936. Com o fim do fascismo, a data foi extinta, ficando restrita a arquivos, documentários e debates sobre memória histórica. Aqui, o ocaso do feriado acompanha a rejeição pública do regime que o criou.
Espanha e Portugal: nomes que mudam, datas que ficam
Na Espanha, a transição democrática aposentou feriados do franquismo, como o 18 de julho. O 12 de outubro passou por sucessivas ressignificações (de “Día de la Raza” a “Fiesta Nacional de España”), ilustrando como rebranding substitui a ruptura total. Em Portugal, a data de 10 de junho — associada no Estado Novo ao “Dia da Raça” — tornou-se Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas após 1974. O significado mudou, mas a data sobreviveu com nova narrativa.
África do Sul: do “Dia do Voto” ao “Dia da Reconciliação”
O Day of the Vow (ou Dingane’s Day), de 16 de dezembro, foi reconfigurado em 1994 como Dia da Reconciliação. O gesto preservou a data — carregada de significados históricos díspares —, redirecionando o foco para a união nacional. É um dos exemplos mais citados de transmutação simbólica bem-sucedida.
Estados Unidos: rebatismos e disputas locais
- Armistice Day virou Veterans Day, mantendo a referência a 11 de novembro, porém ampliando o escopo para todos os veteranos.
- Washington’s Birthday evoluiu comercialmente para Presidents Day em muitos estados, um rebranding que aglutina homenagens e impulsiona o varejo.
- Columbus Day vem sendo substituído em várias cidades e estados por Indigenous Peoples’ Day, mostrando como feriados podem se tornar arenas de revisão histórica.
- Vários Confederate Memorial Days foram abolidos ou perderam status oficial, acompanhando mudanças no debate público sobre memória e espaço cívico.
América Latina: 12 de outubro em transformação
Em diversos países hispano-americanos, o Día de la Raza foi renomeado para refletir visões mais inclusivas — Día de la Diversidad Cultural (Argentina), Día de los Pueblos Indígenas (Chile, com nomenclaturas variáveis), ou termos equivalentes. A data permanece, mas o sentido muda, substituindo a narrativa colonial por uma de pluralidade.
Japão: Kigensetsu e a reinvenção como feriado nacional
O feriado Kigensetsu, associado ao mito fundacional do Japão, foi abolido após a Segunda Guerra Mundial. Em 1966, a essência voltou como Dia da Fundação Nacional (Kenkoku Kinen no Hi), porém com uma abordagem mais cívica e menos mitológica. É um caso nítido de retorno como “dia de patrimônio”, reinterpretação que preserva memória sem reproduzir o arcabouço ideológico original.
Reformas de calendário: quando o tempo muda, as datas mudam
Alguns “feriados perdidos” não desapareceram por política, mas por ajustes no relógio social:
- Juliano vs. gregoriano: a adoção do calendário gregoriano em países do Leste Europeu deslocou aniversários e efemérides. A própria “Revolução de Outubro” passou a ser lembrada em 7 de novembro no Ocidente.
- Transferência para segundas-feiras: para estimular o turismo e criar feriadões, governos movem feriados fixos para segundas, atenuando a memória do dia exato e, por vezes, esvaziando o sentido original.
- Calendário litúrgico: reformas católicas no século XX removeram santos pouco documentados ou transferiram solenidades para domingos, reduzindo o impacto público de antigas festas locais.
Como feriados esquecidos retornam como “dias de patrimônio”
Mesmo após abolição oficial, muitas datas retornam de maneira cultural, sem caráter laborativo:
- Recriações históricas e desfiles: cidades resgatam trajes, músicas e rituais para fins educativos e turísticos.
- Museus e arquivos: lançam exposições e “dias abertos” na data que outrora foi feriado.
- Calendários comunitários: associações mantêm a efeméride viva, ainda que de modo discreto.
- Renomeações cuidadosas: volta com novo nome e linguagem mais inclusiva.
Um exemplo britânico é o Oak Apple Day (29 de maio), ligado à Restauração de 1660: abolido em 1859, sobrevive localmente em algumas cidades com cerimônias e festivais, como parte da identidade local.
Memória digital: “On This Day” e a cronologia que não esquece
Mesmo fora do calendário oficial, esses marcos persistem em:
- cronologias “On This Day” de jornais, rádios e plataformas digitais;
- páginas de história em redes sociais que trazem curiosidades diárias;
- Wikis e bases abertas que listam eventos e feriados por dia;
- algoritmos de busca que evidenciam picos sazonais de interesse.
O resultado é um arquivo vivo: ainda que a folga no trabalho tenha acabado, a lembrança anual retorna como nota de rodapé cultural, convite à reflexão histórica e, às vezes, gatilho para microcomemorações.
Perguntas comuns sobre feriados esquecidos
Como saber se uma data “sumiu” ou apenas mudou de nome?
Verifique leis recentes, diários oficiais e comunicados governamentais. Se a data permanece legalmente feriado, mas com nome/escopo diferente, trata-se de rebranding. Se perdeu o status e não há expediente suspenso, é um feriado extinto.
Onde pesquisar feriados desativados da minha cidade ou região?
- Leis municipais e estaduais;
- jornais antigos e hemerotecas digitais;
- anuários e almanaques escolares;
- arquivos eclesiásticos (para festas de padroeiro, por exemplo);
- associações culturais e museus locais.
Empresas precisam considerar feriados esquecidos para fins trabalhistas?
Não. Somente feriados legais vigentes impactam folha de pagamento e operações. Feriados patrimoniais ou comemorativos sem status oficial não criam obrigações trabalhistas.
O que costuma precipitar o fim de um feriado?
Transições de regime, mudanças constitucionais, revisão de narrativas históricas, reformas do calendário e, em alguns casos, acordos setoriais para reduzir custos com feriadões. Eventos controversos ou associados a ideologias derrotadas são candidatos frequentes à descontinuação.
Datas podem voltar ao calendário oficial?
Sim, mas é raro. O retorno costuma vir com novo significado, linguagem atualizada e consultas públicas. É mais comum ver retornos culturais (comemorações sem feriado) do que reoficializações.
Por que “On This Day” é importante para a memória cívica?
Porque mantém consciência temporal e conecta gerações a eventos que moldaram a sociedade. Mesmo sem folga, lembrar “neste dia” alimenta debates, inspira projetos educativos e ajuda a contextualizar o presente.
Antes e depois: mudanças típicas em poucas palavras
- Empire Day (24/5) → Commonwealth Day (2ª segunda de março): do império à cooperação entre nações.
- Revolução de Outubro (7/11) → Dia da Unidade (4/11): da revolução à identidade nacional reposicionada.
- “Dia da Raça” (10/6 PT / 12/10 ES/AL) → datas de Portugal/comunidades e diversidade cultural: da homogeneidade à pluralidade.
- Day of the Vow (16/12) → Dia da Reconciliação: de memória conflitual à coesão.
- Armistice Day (11/11, EUA) → Veterans Day: do armistício aos veteranos em geral.
Como avaliar se um feriado deve ser preservado, rebatizado ou abolido
Governos e comunidades costumam ponderar:
- Representatividade: a data inclui ou exclui grupos?
- Valor educativo: oferece ponto de partida para aprendizado histórico?
- Impacto econômico: o benefício social compensa custos?
- Viabilidade cívica: a celebração promove coesão ou acirra divisões?
- Compatibilidade com valores atuais: a linguagem e os símbolos refletem a ética contemporânea?
Guia rápido para mapear feriados esquecidos na sua história local
- Levante fontes primárias: leis, atas, calendários escolares e paroquiais.
- Compare versões anuais: identifique quando a data entra, muda ou sai.
- Busque editoriais e cartas do leitor: a imprensa registra controvérsias e argumentos.
- Converse com instituições culturais: museus e arquivos têm acervos e memórias orais.
- Documente e compartilhe: publique uma linha do tempo local, colaborando com escolas e associações.
Conclusão: o que a morte de um feriado nos ensina
Os chamados feriados esquecidos mostram que calendários são instrumentos vivos de política, identidade e economia. Alguns somem; outros mudam de nome; alguns retornam como dias de patrimônio. No mundo digital, nada se perde totalmente: cronologias “On This Day” e memórias locais reapresentam, ano após ano, datas que já foram centrais. Ao acompanhar a ascensão e queda dessas observâncias, aprendemos menos sobre o relógio e mais sobre nós mesmos — sobre quem fomos, quem somos e quem queremos ser quando, coletivamente, escolhemos o que celebrar.
FAQ
O que são feriados esquecidos?
São datas que já foram feriados oficiais ou observâncias amplamente reconhecidas, mas que foram abolidas, renomeadas ou caíram em desuso.
Qual a diferença entre abolir e rebatizar um feriado?
Abolir remove o status oficial. Rebatizar mantém a data (ou a desloca) com um novo nome e significado, preservando parte da tradição.
Por que tantos feriados mudaram no século XX?
Guerras, revoluções, descolonização, reformas religiosas e a globalização alteraram prioridades simbólicas e práticas, levando a extinções e reconfigurações.
Feriados “patrimoniais” dão direito a folga?
Não. A menos que haja lei específica, comemorações patrimoniais são culturais e não impactam obrigações trabalhistas.
Como encontro uma lista de feriados extintos?
Consulte diários oficiais, hemerotecas, enciclopédias históricas e cronologias “On This Day”, além de museus e arquivos regionais.
Datas controversas devem ser apagadas ou reinterpretadas?
Depende do contexto. Muitas comunidades optam por reinterpretação ou rebranding, equilibrando memória histórica com valores atuais.
Essas datas podem retornar ao calendário?
Podem, mas geralmente em forma reconfigurada, como dias de patrimônio, sem o mesmo status legal de outrora.

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