A história de Sir John Franklin é uma das mais cativantes e trágicas da exploração ártica, um testemunho da tenacidade humana diante de um dos ambientes mais implacáveis da Terra. Nascido em 16 de abril de 1786, Franklin não era apenas um oficial respeitado da Marinha Real Britânica, mas também um explorador experiente, cujo nome se tornaria sinônimo tanto de bravura quanto de um mistério que perdurou por mais de 150 anos. Sua vida foi uma saga de serviço militar, liderança em expedições pioneiras e, finalmente, um desaparecimento enigmático que mobilizou vastos recursos em uma das maiores operações de busca e resgate da história.
Primeiros Passos e o Chamado do Gelo
Antes de embarcar em sua fatídica última jornada, Sir John Franklin já possuía uma carreira notável e diversificada. Sua experiência naval forjou-se nos campos de batalha das guerras contra a França napoleônica, onde serviu com distinção, e nas escaramuças contra os Estados Unidos. Essas experiências em águas turbulentas prepararam-no para os desafios ainda maiores que o aguardavam nas regiões polares. Franklin não era um novato no Ártico; ele havia liderado com sucesso duas expedições anteriores ao Ártico canadense e pelas ilhas do Arquipélago Ártico. Em 1819, comandou uma expedição terrestre que mapeou grande parte da costa norte do Canadá, e em 1825, empreendeu outra viagem exploratória crucial, contribuindo significativamente para o conhecimento geográfico da época. Sua habilidade e resiliência foram ainda mais demonstradas durante seu período como tenente-governador da Terra de Van Diemen (hoje Tasmânia), entre 1839 e 1843, onde implementou reformas importantes e enfrentou desafios administrativos em uma colônia distante. Contudo, o fascínio pela Passagem do Noroeste – a lendária rota marítima que ligaria o Oceano Atlântico ao Pacífico através do Ártico – permanecia um objetivo sedutor, um desafio final para um explorador com sua estatura.
A Grande Aposta de 1845: A Última Fronteira
Em 1845, o Almirantado Britânico, impulsionado pela ambição de conquistar a Passagem do Noroeste e consolidar o prestígio imperial, confiou a Sir John Franklin a liderança de sua mais ambiciosa expedição polar. A bordo dos dois navios mais avançados da época, o HMS Erebus e o HMS Terror – ambos reforçados para o gelo e equipados com motores a vapor auxiliares, uma inovação significativa – Franklin partiu da Inglaterra com 128 oficiais e homens. O objetivo era audacioso: mapear as últimas seções inexploradas da Passagem do Noroeste no Ártico canadense e coletar dados magnéticos valiosos. Esperava-se que esses dados pudessem aprimorar a navegação e, talvez, até mesmo desvendar segredos sobre o magnetismo terrestre. A expedição, com provisões para vários anos e as melhores tecnologias disponíveis, era vista como a vanguarda da exploração ártica, carregando as esperanças de uma nação.
O Silêncio do Gelo: Desaparecimento e Desastre
Os navios de Franklin foram avistados pela última vez por baleeiros europeus em julho de 1845, na Baía de Baffin, no leste do Ártico. Após isso, o silêncio caiu. O que se seguiu foi uma das maiores tragédias da exploração polar. Em algum momento entre o final de 1846 e o início de 1847, o HMS Erebus e o HMS Terror ficaram irremediavelmente presos no gelo do Estreito de Victoria, perto da Ilha King William, no que hoje é o território de Nunavut, Canadá. Sir John Franklin morreu em 11 de junho de 1847, provavelmente a bordo do Erebus, enquanto os navios ainda estavam aprisionados. A causa exata de sua morte é desconhecida, mas as condições extremas do Ártico e o isolamento devem ter desempenhado um papel crucial. Após mais de um ano congelados, os navios foram abandonados em abril de 1848, numa tentativa desesperada de sobrevivência. Os 105 oficiais e homens restantes, liderados pelo segundo em comando de Franklin, Francis Crozier, e pelo capitão do Erebus, James Fitzjames, iniciaram uma marcha fatídica em direção ao continente canadense. No entanto, nenhum deles jamais foi visto novamente. A expedição, que começou com tanta promessa, terminou em uma catástrofe total, com a perda de todos os 129 membros da tripulação.
As Causas da Tragédia: Fome, Doença e o Ambiente Hostil
A determinação das causas exatas da morte dos homens de Franklin tem sido objeto de intensa investigação ao longo das décadas. Inicialmente atribuída a fatores como fome, hipotermia e escorbuto, pesquisas modernas adicionaram camadas complexas a essa narrativa. Estudos científicos, incluindo análises forenses dos restos mortais recuperados, sugerem que a morte não foi rápida para muitos. Um fator significativo foi o envenenamento por chumbo, provavelmente causado pela má vedação das latas de comida da época ou pelo sistema de água a bordo, que deteriorou a saúde da tripulação, tornando-os mais vulneráveis a outras enfermidades. A deficiência de zinco também foi apontada como um fator. O escorbuto, uma doença debilitante causada pela falta de vitamina C, também teve um papel devastador, agravado pela nutrição inadequada e pela exposição a um ambiente implacável. Marcas de corte encontradas em alguns ossos durante esses estudos também forneceram evidências perturbadoras, corroborando as alegações de canibalismo relatadas pelo explorador John Rae em 1854, uma medida extrema de desespero em face da fome absoluta. Em resumo, uma combinação letal de doenças, subnutrição, intoxicação e a implacável exposição ao frio ártico, sem roupas e nutrição adequadas, ceifou a vida de todos os expedicionários nos anos que se seguiram ao último contato.
A Busca Incansável: Lady Franklin e a Persistência Britânica
O desaparecimento da expedição de Franklin chocou a Grã-Bretanha e gerou uma onda de preocupação e especulação. Pressionado, em grande parte, pela inabalável determinação de Jane Griffin, a esposa de Sir John Franklin (conhecida como Lady Franklin), o Almirantado Britânico lançou uma série de missões de busca a partir de 1848. Lady Franklin, uma figura notável por si só, financiou várias expedições privadas quando as buscas oficiais diminuíram, tornando-se uma força motriz por trás dos esforços para descobrir o destino de seu marido e de sua tripulação. Ao longo das décadas seguintes, dezenas de expedições de busca vasculharam o Ártico canadense. Embora a Passagem do Noroeste não fosse encontrada por essas buscas, elas contribuíram imensamente para o mapeamento da região. Várias relíquias da expedição, incluindo equipamentos, documentos e os restos mortais de alguns membros da tripulação, foram descobertas por exploradores e povos indígenas Inuit. Os restos mortais de dois homens foram, inclusive, recuperados e devolvidos à Grã-Bretanha, alimentando a esperança de desvendar o mistério, mas sem nunca fornecer um relato completo do que realmente aconteceu nos últimos dias da expedição.
A Redescoberta: O Resgate da História nas Profundezas Gélidas
O mistério do destino dos navios de Franklin permaneceu um dos maiores enigmas da exploração polar por mais de um século e meio. Contudo, o século XXI trouxe descobertas notáveis. Em 2014, uma equipe de busca canadense, liderada pela Parks Canada, fez uma descoberta histórica: os destroços do HMS Erebus foram localizados na porção leste do Golfo Queen Maud, um momento de euforia para historiadores e arqueólogos. Dois anos depois, em 2016, a Arctic Research Foundation teve sucesso semelhante, encontrando os destroços do HMS Terror ao sul da Ilha King William, em uma área coincidentemente batizada de Terror Bay. Essas descobertas não apenas forneceram provas tangíveis do fim da expedição, mas também abriram novas oportunidades para a arqueologia subaquática. Hoje, ambos os locais dos naufrágios são protegidos como um Sítio Histórico Nacional combinado, e expedições de pesquisa e mergulho são realizadas anualmente, revelando mais detalhes sobre a vida a bordo, os últimos momentos dos navios e a tecnologia da época. Esses achados representam a resolução de um mistério que assombrou por gerações, oferecendo uma conexão direta com a tragédia e o legado de Sir John Franklin.
O Legado de Franklin e a Conquista da Passagem do Noroeste
Apesar do trágico desfecho e do status infame de sua expedição, Sir John Franklin e sua tripulação desempenharam um papel crucial na história da exploração ártica. Eles exploraram a vizinhança do que viria a ser uma das muitas rotas da Passagem do Noroeste a serem descobertas, mesmo que eles próprios não a tivessem completado. Curiosamente, a busca pela expedição perdida de Franklin levou a muitas outras expedições que mapearam vastas áreas do Ártico e contribuíram significativamente para o conhecimento geográfico e científico da região. Entre essas expedições estava a liderada por Robert McClure, que, embora enfrentando desafios imensos e controvérsias, conseguiu identificar uma rota de gelo que ligava o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico, retornando vivo – um feito notável. No entanto, a Passagem do Noroeste só foi navegada completamente por um barco em 1906, quando o explorador norueguês Roald Amundsen conseguiu atravessar a passagem em seu pequeno navio, o Gjøa, após uma jornada de três anos, demonstrando a extrema dificuldade e periculosidade dessa rota. O legado de Franklin, portanto, não é apenas de fracasso, mas de um sacrifício que impulsionou a exploração e, por fim, a compreensão de um dos ambientes mais desafiadores do planeta.
Perguntas Frequentes (FAQs)
- Quando Sir John Franklin morreu?
- Sir John Franklin faleceu em 11 de junho de 1847, enquanto seus navios, o HMS Erebus e o HMS Terror, estavam presos no gelo perto da Ilha King William.
- Quantos homens estavam na expedição de Franklin e qual foi o destino deles?
- A expedição contava com 129 oficiais e homens. Todos eles pereceram devido a uma combinação de hipotermia, fome, escorbuto, envenenamento por chumbo e, possivelmente, canibalismo em seu desespero.
- Qual era o objetivo principal da última expedição de Franklin?
- O objetivo principal era atravessar as últimas seções não navegadas da Passagem do Noroeste, ligando o Oceano Atlântico ao Pacífico, e registrar dados magnéticos para auxiliar a navegação.
- Quando e onde os navios de Franklin foram descobertos?
- Os destroços do HMS Erebus foram encontrados em 2014 no Golfo Queen Maud. Os destroços do HMS Terror foram localizados em 2016 ao sul da Ilha King William, na Baía Terror.
- Lady Franklin teve algum papel na busca pela expedição?
- Sim, Lady Franklin (Jane Griffin) foi uma força motriz essencial nas buscas, pressionando o Almirantado e financiando várias expedições privadas para encontrar seu marido e sua tripulação.
- O que se sabe sobre o canibalismo na expedição de Franklin?
- Evidências de marcas de corte em alguns ossos recuperados, juntamente com relatos do explorador John Rae em 1854, sugerem que o canibalismo ocorreu entre os sobreviventes em um estágio avançado de desespero.
- Quando a Passagem do Noroeste foi finalmente navegada?
- A Passagem do Noroeste foi navegada de barco pela primeira vez em 1906, pelo explorador norueguês Roald Amundsen.

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