Pilar de Nelson em Dublin, Irlanda, destruído por uma bomba.
O Pilar de Nelson foi, por mais de um século e meio, um dos marcos mais icónicos e, simultaneamente, mais contestados de Dublin. Erigido em 1809, esta imponente coluna de granito, encimada por uma estátua do Almirante Horatio Nelson, o herói naval britânico da Batalha de Trafalgar, dominava o centro da então Sackville Street, hoje a vibrante O'Connell Street, na capital irlandesa. Naquela época, a Irlanda era parte integrante do Reino Unido, um contexto que se tornaria crucial para o destino do monumento. A sua existência, desde a inauguração até à sua dramática destruição em março de 1966 por explosivos plantados por republicanos irlandeses, refletiu as complexas tensões políticas e culturais que moldaram a história da Irlanda.
A Origem de um Monumento Controverso
A decisão de homenagear o Almirante Nelson com um monumento em Dublin nasceu da euforia generalizada após a sua retumbante vitória na Batalha de Trafalgar em 1805. Este triunfo naval, decisivo contra as frotas combinadas da França e da Espanha, consolidou o domínio britânico nos mares e fez de Nelson um herói nacional no Reino Unido. A Dublin Corporation, então o corpo governante da cidade, liderou o esforço, vislumbrando um símbolo de orgulho imperial. Embora o projeto inicial de William Wilkins tenha sido ambicioso, foi Francis Johnston quem o adaptou por razões orçamentárias, garantindo a sua construção. A estátua imponente de Nelson no topo foi habilmente esculpida por Thomas Kirk. Inaugurado com grande pompa a 29 de outubro de 1809, o Pilar rapidamente se tornou uma atração turística popular, oferecendo vistas panorâmicas de Dublin a partir do seu topo. Contudo, a sua presença não foi isenta de controvérsia. Desde cedo, o monumento gerou debates estéticos, mas sobretudo políticos, pois para muitos irlandeses, a homenagem a um herói inglês no coração da sua capital era um lembrete constante da dominação britânica, um sentimento que se intensificaria com o crescente nacionalismo irlandês ao longo do século XIX.
O Pilar de Nelson e a Ascensão do Nacionalismo Irlandês
À medida que o século XIX avançava e o movimento nacionalista irlandês ganhava força, o Pilar de Nelson transformou-se num alvo cada vez mais visível de descontentamento. O que para alguns era um marco histórico e arquitetónico, para muitos patriotas irlandeses era um símbolo opressor do império britânico. Apelos para a sua remoção ou substituição por um memorial a um herói genuinamente irlandês tornaram-se mais frequentes, refletindo o desejo de forjar uma identidade nacional desvinculada de Londres. O pilar testemunhou as grandes manifestações por direitos civis e políticos, as campanhas pela autodeterminação e as mudanças sísmicas que levariam à eventual independência da Irlanda.
A Independência da Irlanda e o Dilema Legal
Mesmo após a maior parte da Irlanda ter alcançado a independência em 1922, tornando-se o Estado Livre Irlandês, e posteriormente a República da Irlanda em 1949, o Pilar de Nelson permaneceu teimosamente no seu lugar. A sua remoção não era uma questão simples de vontade política. A principal barreira legal residia numa complexa "trust" ou fundo fiduciário estabelecido na sua fundação, cujos termos impunham aos seus curadores o dever perpétuo de preservar o monumento. Consequentemente, sucessivos governos irlandeses, embora simpatizantes da ideia de remoção, viram-se impedidos de agir, pois não conseguiram aprovar legislação que anulasse legalmente esta "trust". Curiosamente, figuras literárias de renome mundial como W. B. Yeats, um dos maiores poetas da Irlanda, e Oliver St. John Gogarty defenderam a preservação do Pilar, argumentando a favor do seu valor histórico e cultural, vendo-o como parte integrante da tapeçaria de Dublin, independentemente da sua origem. Contudo, a pressão popular para a sua remoção intensificou-se drasticamente nos anos que antecederam o 50º aniversário da Insurreição da Páscoa de 1916, um evento seminal na luta pela independência irlandesa, que reacendeu o fervor nacionalista.
A Noite da Explosão e suas Consequências
Na madrugada de 8 de março de 1966, a persistente controvérsia em torno do Pilar de Nelson chegou a um fim abrupto e violento. Explosivos, plantados por republicanos irlandeses, danificaram severamente a seção superior do monumento, causando a queda da estátua de Nelson e de grande parte da coluna sobre a O'Connell Street. O incidente, que ocorreu poucas semanas antes das celebrações do cinquentenário da Insurreição da Páscoa, chocou alguns, mas para a maioria do público irlandês, o seu desaparecimento repentino foi, em geral, bem-recebido, um eco do desejo nacionalista de anos. Os restos instáveis da estrutura foram posteriormente demolidos de forma controlada pelo exército irlandês por motivos de segurança, marcando o fim definitivo da sua presença no horizonte de Dublin. Embora se acreditasse amplamente que a ação era obra do Exército Republicano Irlandês (IRA), a Garda Síochána (polícia irlandesa) não conseguiu identificar nem processar os responsáveis no momento. Curiosamente, apenas em 2000, um ex-ativista republicano concedeu uma entrevista de rádio na qual admitiu ter plantado os explosivos em 1966. Apesar da confissão, e após questioná-lo, a Gardaí decidiu não agir, um reflexo talvez das complexidades históricas e políticas da época.
O Legado e o Novo Marco de Dublin
Após a remoção do Pilar, o local central na O'Connell Street permaneceu vago por décadas, pontuado por debates e inúmeras propostas para um substituto adequado. Finalmente, em 2003, um novo marco emergiu: o Spire of Dublin, uma estrutura esguia em forma de agulha que se eleva a quase três vezes a altura original do Pilar. Conhecido coloquialmente como "The Spike" ou "The Stiletto", este monumento contemporâneo simboliza uma Irlanda moderna e "forward-looking", sem os laços divisivos do passado. Apesar da sua demolição, a memória do Pilar de Nelson persiste. Relíquias do monumento são cuidadosamente preservadas em museus de Dublin, como o Museu Nacional da Irlanda e o Little Museum of Dublin, e algumas das suas pedras foram reutilizadas decorativamente noutros locais. A sua presença marcante e o seu final dramático também garantiram que o Pilar continue a ser um tema recorrente e um ponto de referência em inúmeras obras da literatura, música e arte irlandesa, perpetuando a sua história como um capítulo inesquecível na narrativa de Dublin e da Irlanda.
Perguntas Frequentes (FAQs)
- Quem foi Horatio Nelson?
- Um almirante britânico, famoso pelas suas vitórias navais, especialmente a Batalha de Trafalgar (1805), onde morreu em combate. Ele é considerado um dos maiores heróis navais da história britânica.
- Por que o Pilar de Nelson foi controverso?
- Porque era um monumento a um herói britânico no coração da capital irlandesa, visto por muitos nacionalistas irlandeses como um símbolo da dominação colonial e da falta de soberania irlandesa.
- Quem destruiu o Pilar de Nelson?
- Foi severamente danificado por explosivos plantados por republicanos irlandeses em março de 1966. Os restos foram subsequentemente demolidos pelo exército irlandês por segurança. Embora o IRA tenha sido amplamente suspeito, os responsáveis nunca foram formalmente identificados ou processados judicialmente na época.
- O que está no lugar do Pilar de Nelson hoje?
- O local é agora ocupado pelo Spire of Dublin, uma escultura contemporânea em forma de agulha inaugurada em 2003.
- Existem partes do Pilar de Nelson ainda visíveis?
- Sim, algumas relíquias e fragmentos da estátua e da coluna estão em exposição em museus de Dublin, como o Little Museum of Dublin, e algumas pedras foram utilizadas em outros contextos decorativos.
- Por que demorou tanto para ser removido após a independência da Irlanda?
- A remoção foi dificultada por uma "trust" legal que obrigava à sua preservação perpétua. Os governos irlandeses não conseguiram aprovar legislação que anulasse essa obrigação até à sua destruição.