Guerra Civil Chinesa: as forças comunistas chinesas ocupam Guangzhou.
A Guerra Civil Chinesa representa um dos capítulos mais turbulentos e transformadores na história moderna da China, moldando profundamente o país e a geopolítica asiática do século XX. Foi um conflito armado de longa duração, travado entre o governo nacionalista da República da China (ROC), então liderado pelo Kuomintang (KMT), e as forças insurgentes do Partido Comunista Chinês (PCC). Embora as hostilidades tivessem raízes anteriores, a guerra propriamente dita eclodiu de forma intermitente após 1927, estendendo-se por mais de duas décadas.
Este complexo confronto é geralmente dividido em duas fases distintas, separadas por um interlúdio crucial que viu as duas fações ideologicamente opostas unirem-se contra um inimigo comum.
Fases da Guerra Civil Chinesa
Primeira Fase: O Início do Conflito (1927-1937)
A primeira fase da guerra teve início em agosto de 1927, marcando o colapso da Primeira Frente Unida, uma aliança inicialmente formada entre o KMT e o PCC para unificar a China e combater os senhores da guerra regionais durante a Expedição do Norte. No entanto, as profundas diferenças ideológicas e a desconfiança mútua rapidamente levaram a um cisma. O KMT, sob a liderança de Chiang Kai-shek, lançou uma purga anticomunista brutal, forçando o PCC a uma retirada dramática para as áreas rurais. Durante esta década, as forças nacionalistas conseguiram consolidar o controlo sobre a maior parte do território chinês, embora o PCC continuasse a operar a partir das suas bases no interior, lutando pela sobrevivência e pela expansão da sua influência camponesa.
Interlúdio: A Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945)
O curso da guerra civil foi dramaticamente interrompido pela invasão em larga escala do Japão em 1937, dando início à Segunda Guerra Sino-Japonesa. Diante da ameaça existencial de um inimigo externo, o KMT e o PCC formaram a Segunda Frente Unida. Esta trégua, embora muitas vezes tensa e precária, foi fundamental para que a China resistisse à agressão japonesa. Ambas as fações lutaram bravamente, recebendo eventualmente apoio dos Aliados da Segunda Guerra Mundial. A luta contra o invasor japonês, que durou até a rendição do Japão em 1945, permitiu que o PCC fortalecesse a sua base de apoio nas áreas rurais e ganhasse experiência militar, preparando o terreno para a fase final do conflito interno.
Segunda Fase: A Revolução Comunista Chinesa (1945-1949)
Com a derrota e retirada do Japão, as esperanças de uma paz duradoura na China continental rapidamente se desvaneceram. A guerra civil recomeçou com intensidade renovada, uma vez que a trégua forçada pelo inimigo externo deixou de existir. Nesta fase final, muitas vezes referida como a Revolução Comunista Chinesa, o Partido Comunista, sob a liderança de Mao Zedong, demonstrou uma superioridade estratégica e tática, capitalizando o descontentamento popular e a exaustão da população face a anos de guerra. As forças do Exército de Libertação Popular (ELP) do PCC, bem organizadas e motivadas, conseguiram infligir derrotas decisivas às tropas nacionalistas, que, apesar de terem maior apoio internacional inicial, sofriam de corrupção interna e moral baixo.
Consequências e Legado
O ano de 1949 marcou um ponto de viragem decisivo. Com a vitória esmagadora no continente, o Partido Comunista Chinês estabeleceu a República Popular da China (RPC) em 1 de outubro de 1949, com capital em Pequim. A liderança do Kuomintang e o restante do governo da República da China, juntamente com milhões de apoiadores e soldados, foram forçados a recuar para a ilha de Taiwan. Desde então, um impasse político e militar duradouro tem caracterizado as relações através do Estreito de Taiwan. Tanto a República da China em Taiwan quanto a República Popular da China no continente mantiveram, e em certa medida ainda mantêm, a alegação oficial de serem o governo legítimo de toda a China, uma questão que continua a ser uma das mais sensíveis na política internacional. Embora as hostilidades mais intensas tenham diminuído após a Segunda Crise do Estreito de Taiwan, culminando num cessar-fogo tácito em 1979, é crucial notar que nenhum armistício formal ou tratado de paz foi assinado, deixando o status legal e político da situação em aberto até hoje.
O Exército de Libertação Popular (ELP)
O Exército de Libertação Popular (ELP) não é apenas a principal força militar da República Popular da China; é intrinsecamente o braço armado do Partido Comunista Chinês (PCC), uma distinção fundamental que o separa de muitas forças armadas nacionais. A sua história e estrutura refletem a filosofia de "o Partido comanda a arma", um pilar central da governação chinesa moderna.
Origens e Evolução Histórica
As raízes do ELP remontam à era republicana chinesa e estão intrinsecamente ligadas ao nascimento do Partido Comunista Chinês. Originalmente, muitas das suas unidades foram formadas por elementos de esquerda do Exército Revolucionário Nacional (NRA) do Kuomintang (KMT). O marco fundacional é geralmente associado à Revolta de Nanchang, em 1 de agosto de 1927, quando essas unidades se separaram do governo nacionalista para formar o Exército Vermelho Chinês. Essa data é celebrada anualmente como o Dia do Exército da China. Durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945), numa demonstração de frente unida contra a agressão estrangeira, as forças comunistas foram nominalmente reintegradas no NRA como o Novo Quarto Exército e o Oitavo Exército de Rota. No entanto, as suas estruturas de comando e lealdades permaneceram em grande parte separadas. Com o fim da guerra contra o Japão, e o reinício da Guerra Civil Chinesa, essas duas unidades comunistas foram reconstituídas e, em 10 de outubro de 1947, o Exército de Libertação Popular foi formalmente estabelecido, tornando-se o instrumento decisivo para a vitória do PCC em 1949.
Estrutura e Liderança
O ELP é uma força abrangente, composta por cinco ramos de serviço principais, cada um com as suas capacidades e responsabilidades específicas: a Força Terrestre, a Marinha, a Força Aérea, a Força de Foguetes (responsável pelos mísseis estratégicos e nucleares da China) e a Força de Apoio Estratégico (focada em guerra cibernética, espacial e eletrónica). Toda esta vasta estrutura militar está sob a autoridade direta e unificada da Comissão Militar Central (CMC), cujo presidente atua como o comandante em chefe supremo das forças armadas do país. Para fins operacionais, a maioria das unidades militares em todo o país é atribuída a um dos cinco comandos de teatro, organizados por localização geográfica estratégica.
Poder Militar e Modernização
Em termos de escala, o ELP é inigualável: é a maior força militar ativa do mundo, desconsiderando as forças paramilitares ou de reserva. Além disso, a China possui o segundo maior orçamento de defesa global, o que reflete o seu ambicioso programa de modernização militar. O ELP tem sido reconhecido como uma das forças armadas que mais rapidamente se modernizam no mundo, investindo pesadamente em tecnologia avançada e capacidades de ponta. Essa rápida evolução tem levado muitos analistas a considerá-lo uma potencial superpotência militar, com uma significativa capacidade de defesa regional e uma crescente capacidade de projeção de poder global, que se estende para além das suas fronteiras tradicionais.
O Princípio "O Partido Comanda a Arma"
Um aspeto fundamental e diferenciador do ELP é a sua relação com o Partido Comunista Chinês. A legislação da República Popular da China afirma explicitamente a liderança inquestionável do PCC sobre as forças armadas do país,ignando a Comissão Militar Central como o comando militar nacional. É importante notar que a CMC opera sob dois chapéus: como a "CMC do Partido" para as suas funções partidárias e como a "CMC do Estado" para funções legais e governamentais, além de funcionar como um Ministério da Defesa Nacional (MoD) cerimonial para fins diplomáticos e de representação internacional. O princípio doutrinal subjacente, conhecido como "o Partido comanda a arma" (chinês: 党指挥枪; pinyin: Dǎng zhǐhuī qiāng), exige que o ELP mantenha uma lealdade absoluta ao PCC. Nesse sentido, o ELP não é um exército nacional no sentido tradicional de um estado-nação ocidental, cuja lealdade seria primariamente ao estado ou a uma constituição, mas sim um exército político, ou o braço armado do próprio Partido Comunista Chinês. Esta dualidade significa que a sua lealdade primária é ao Partido e à sua ideologia. Atualmente, o presidente da Comissão Militar Central é frequentemente também o secretário-geral do Partido Comunista Chinês, consolidando ainda mais essa ligação indissociável.
Estratégia e Apoio
Desde 1949, a China tem implementado nove "diretrizes estratégicas" distintas, que servem como a espinha dorsal da sua doutrina militar, com as mais importantes ocorrendo em 1956, 1980 e 1993, refletindo as mudanças nas prioridades de defesa e nas ameaças percebidas. Em tempos de emergência nacional, o ELP é apoiado por duas forças complementares: a Polícia Armada do Povo (PAP), responsável pela segurança interna, e a Milícia da China, que atua como um elemento de reserva e apoio às operações. No âmbito político, o ELP tem uma representação significativa no Congresso Nacional do Povo, com 294 deputados, todos eles membros do Partido Comunista Chinês, sublinhando mais uma vez a sua integração profunda e inegável na estrutura política do país.
Perguntas Frequentes (FAQs) sobre a Guerra Civil Chinesa e o ELP
- Quando começou e terminou a Guerra Civil Chinesa?
- A guerra civil começou intermitentemente após agosto de 1927, teve um interlúdio de 1937 a 1945 devido à invasão japonesa, e recomeçou intensamente de 1945 a 1949, culminando na vitória comunista no continente.
- Quais foram as principais fações envolvidas na Guerra Civil Chinesa?
- As principais fações foram o governo liderado pelo Kuomintang (KMT) da República da China (ROC) e as forças do Partido Comunista Chinês (PCC).
- Qual foi o resultado da Guerra Civil Chinesa?
- O Partido Comunista Chinês venceu a guerra no continente, estabelecendo a República Popular da China em 1949. A liderança da República da China (KMT) recuou para a ilha de Taiwan.
- Há um tratado de paz entre a RPC e a ROC?
- Não. Embora tenha havido um cessar-fogo tácito em 1979 após a Segunda Crise do Estreito de Taiwan, nenhum armistício ou tratado de paz formal foi assinado, mantendo um impasse político e militar.
- O que é o Exército de Libertação Popular (ELP)?
- É a principal força militar da República Popular da China e o braço armado do Partido Comunista Chinês (PCC).
- Quantos ramos de serviço tem o ELP?
- O ELP é composto por cinco ramos de serviço: Força Terrestre, Marinha, Força Aérea, Força de Foguetes e Força de Apoio Estratégico.
- Qual é a principal característica da lealdade do ELP?
- O ELP segue o princípio doutrinal "o Partido comanda a arma", o que significa que a sua lealdade primária é ao Partido Comunista Chinês e não ao estado ou a uma constituição no sentido tradicional de um exército nacional.
- O ELP é a maior força militar do mundo?
- Sim, é a maior força militar ativa do mundo em termos de pessoal, excluindo forças paramilitares ou de reserva.