Fernando VII da Espanha (n. 1784)

Fernando VII, uma figura central e notoriamente complexa na história da Espanha, nasceu em Madrid, no Palácio de El Escorial, a 14 de outubro de 1784. O seu reinado, que se estendeu por inícios e meados do século XIX, foi marcado por profundas convulsões políticas, guerras e a eventual perda de quase todo o império colonial espanhol nas Américas. Conhecido pelos seus apoiantes monárquicos e absolutistas como "el Deseado" (O Desejado) – uma alcunha que refletia a esperança de que ele livrasse a Espanha do domínio napoleónico – e, em contraste gritante, pelos seus detratores liberais como "el Rey Felón" (O Rei Criminoso ou O Rei Traidor), devido à sua repetida rejeição de princípios constitucionais e à repressão implacável, Fernando VII deixou um legado profundamente controverso.

Um Reinado de Tumultos e Contradições

A juventude de Fernando foi vivida como herdeiro do trono espanhol, uma posição que o colocava em desacordo com os seus pais, o Rei Carlos IV e a Rainha Maria Luísa de Parma, e com o poderoso favorito da corte, Manuel de Godoy. A sua ascensão ao trono não foi pacífica, mas sim resultado de um levantamento popular. Em 1808, o Tumulto de Aranjuez, uma revolta popular instigada por fações da corte que se opunham a Godoy e ao controlo francês crescente, forçou Carlos IV a abdicar em favor do seu filho, Fernando. Assim, Fernando VII tornou-se Rei pela primeira vez em março de 1808, embora por um período efémero.

A Intervenção Napoleónica e o Exílio

Contudo, este primeiro reinado durou apenas alguns meses. Napoleão Bonaparte, aproveitando-se da instabilidade política espanhola e da disputa entre pai e filho, convocou Fernando VII e Carlos IV a Bayonne, França. Ali, numa série de manipulações conhecidas como as Abidicações de Bayonne, Napoleão forçou ambos a renunciarem aos seus direitos ao trono espanhol, instalando o seu irmão, José Bonaparte, como Rei de Espanha. Fernando VII foi então mantido em cativeiro em Valençay, França, até 1813. Este período de exílio e a ocupação francesa desencadearam a Guerra da Independência Espanhola (1808-1814), um conflito brutal que viu a resistência espanhola lutar tanto contra os franceses quanto contra o regime de José I.

Durante a sua ausência, as Cortes de Cádis redigiram e promulgaram a inovadora Constituição de 1812, um documento liberal que visava modernizar a Espanha e estabelecer uma monarquia parlamentar. Esta constituição tornou-se um símbolo do liberalismo espanhol, representando uma profunda rutura com o Antigo Regime.

O Regresso do Absolutismo e a Repressão

Após a derrota de Napoleão, Fernando VII regressou à Espanha em dezembro de 1813. O seu regresso foi inicialmente aclamado, pois muitos o viam como o legítimo rei e o libertador do domínio francês. No entanto, as esperanças dos liberais foram rapidamente goradas. Uma vez de novo no poder, e encorajado pelos setores mais conservadores da sociedade e do exército, Fernando VII restaurou a monarquia absolutista e, através do Decreto de Valençay, rejeitou abertamente a Constituição de 1812. As suas políticas contrarrevolucionárias e reacionárias produziram uma profunda cisão na Espanha, entre as forças à direita, que apoiavam o absolutismo e os valores tradicionais, e os liberais à esquerda, que defendiam as reformas constitucionais e as liberdades individuais. A repressão à imprensa liberal foi implacável, com muitos dos seus editores e escritores a serem presos.

O Triénio Liberal e a Intervenção Estrangeira

Apesar da repressão, o descontentamento liberal borbulhava. Em 1820, uma revolta militar liderada pelo Coronel Rafael del Riego, que exigia a restauração da Constituição de 1812, forçou Fernando VII a jurar fidelidade ao documento. Este evento marcou o início do Triénio Liberal, um período de três anos de governo constitucional. Contudo, Fernando VII nunca aceitou verdadeiramente as limitações ao seu poder e conspirou ativamente para derrubar o regime liberal. Em 1823, o Congresso de Verona, no âmbito da Santa Aliança (uma coligação de monarquias conservadoras europeias), autorizou uma intervenção militar francesa. Os "Cem Mil Filhos de São Luís", como eram conhecidas as forças francesas, marcharam sobre a Espanha, esmagaram o governo liberal e devolveram Fernando VII ao poder absoluto pela segunda vez. Seguiu-se um novo período de repressão feroz contra os liberais.

Um Legado Controverso e as Consequências Póstumas

Sob o governo de Fernando VII, a Espanha viu a perda irreversível de quase todas as suas possessões no continente americano, que alcançaram a sua independência em meio à turbulência e à incapacidade da metrópole de as controlar eficazmente. O seu reinado foi caracterizado por uma política externa inconsistente e uma incapacidade de modernizar o país, deixando-o num estado de fragilidade económica e política. A sua morte, a 29 de setembro de 1833, precipitou uma crise de sucessão que mergulhou a Espanha numa guerra civil em larga escala – as Guerras Carlistas. Fernando VII havia abolido a Lei Sálica para permitir que a sua filha Isabel II o sucedesse, em detrimento do seu irmão Carlos Maria Isidro, o que deu origem ao conflito.

Desde a sua morte, o legado político de Fernando VII permaneceu ferozmente contestado. Muitos historiadores e analistas políticos consideram-no um governante incompetente, despótico e míope, que perdeu um império e travou o progresso da Espanha, enquanto outros tentam uma visão mais matizada, contextualizando as pressões e expectativas da época. Seja qual for a perspetiva, a sua figura é inegavelmente central para compreender as profundas divisões e o difícil caminho da Espanha para a modernidade.

FAQs sobre Fernando VII

Quem foi Fernando VII?
Fernando VII (1784-1833) foi o Rei de Espanha durante o início e meados do século XIX, num período de grande instabilidade política e social, incluindo a invasão napoleónica e a perda das colónias americanas.
Por que ele era chamado "el Deseado" e "el Rey Felón"?
Ele era conhecido como "el Deseado" (O Desejado) pelos seus apoiantes absolutistas que o viam como o legítimo rei e o libertador da ocupação napoleónica. Por outro lado, era chamado "el Rey Felón" (O Rei Criminoso ou Traidor) pelos seus detratores liberais, devido à sua repetida traição às promessas constitucionais e à repressão dos movimentos liberais.
Qual a importância da Constituição de 1812 no seu reinado?
A Constituição de 1812, ou Constituição de Cádis, foi um marco liberal que estabelecia uma monarquia constitucional e limitava o poder real. Fernando VII rejeitou-a e restaurou o absolutismo em 1814, foi forçado a jurá-la durante o Triénio Liberal (1820-1823), mas voltou a aboli-la com a ajuda de potências estrangeiras.
Como a Espanha perdeu as suas colónias americanas sob o seu governo?
A perda das colónias americanas ocorreu em grande parte devido à ausência de Fernando VII durante a invasão napoleónica, que permitiu o florescimento de movimentos independentistas. Após o seu regresso, a Espanha estava demasiado enfraquecida e o seu governo absolutista incapaz de conter a vaga de independências que se espalhava pela América Latina.
O que aconteceu em Espanha após a morte de Fernando VII?
A morte de Fernando VII desencadeou as Guerras Carlistas, uma série de conflitos civis sobre a sucessão ao trono espanhol. Fernando VII havia revogado a Lei Sálica para permitir que sua filha Isabel II o sucedesse, mas seu irmão, Carlos Maria Isidro, reivindicou o trono, dando início a uma longa e sangrenta disputa.
Qual é o legado histórico de Fernando VII?
O seu legado é altamente controverso. Enquanto alguns historiadores o veem como um monarca que tentou preservar a ordem num período turbulento, a maioria o considera um governante despótico, míope e incompetente, responsável por atrasar o desenvolvimento da Espanha e por mergulhar o país em conflitos internos e repressão.