Na fria manhã de 27 de outubro de 1981, as águas costeiras do sul da Suécia, geralmente plácidas, foram palco de um dos episódios mais intrigantes e tensos da Guerra Fria: o encalhe de um submarino soviético. Este evento, que rapidamente escalou para uma crise diplomática internacional, ficou conhecido popularmente como o incidente do "Whiskey on the Rocks". O protagonista era o S-363, um submarino da classe Whiskey da Marinha Soviética, que, por ironia do destino, parou a poucos quilômetros de uma das mais importantes bases navais suecas, em Karlskrona.
O Submarino S-363 e a Classe Whiskey
O S-363, um dos muitos submarinos que compunham a imponente Frota do Báltico da União Soviética, pertencia à classe Projeto 613, mais conhecida no Ocidente pela designação NATO de classe "Whiskey". Desenvolvidos no pós-Guerra Mundial II, estes submarinos a diesel-elétricos eram uma espinha dorsal da marinha soviética durante a Guerra Fria. Eram conhecidos pela sua robustez e capacidade de patrulha costeira e oceânica, embora não fossem os mais modernos da frota em 1981. A sua missão principal incluía a vigilância, o reconhecimento e, em caso de conflito, a interrupção das linhas de comunicação marítimas do inimigo. A presença de um destes navios tão perto da Suécia neutra era, por si só, motivo de preocupação, mas o encalhe transformou a situação em um espetáculo de proporções globais.
O Encalhe Inesperado: 27 de Outubro de 1981
O incidente ocorreu nas primeiras horas da manhã de uma terça-feira, em 27 de outubro de 1981. O S-363, navegando em águas notoriamente difíceis e repletas de recifes, encalhou em um baixio rochoso conhecido como Gåsefjärden, no arquipélago de Blekinge, a aproximadamente 10 quilômetros (ou 6,2 milhas) a sudeste de Karlskrona. A proximidade com esta cidade, que abrigava uma das maiores e mais estratégicas bases navais da Suécia, adicionou uma camada de gravidade incalculável ao evento. A princípio, o encalhe foi descoberto por pescadores locais, que alertaram as autoridades suecas. A imagem de um submarino cinzento e maciço, imóvel nas rochas costeiras, desafiando a soberania de uma nação neutra, rapidamente dominou as manchetes internacionais. A embarcação estava visivelmente encalhada e incapaz de se mover por seus próprios meios, tornando-se um símbolo da ousadia soviética e da vulnerabilidade sueca.
A Designação "U137" e o Contexto da Guerra Fria
Enquanto a Marinha Soviética referia-se ao submarino como S-363, os suecos, ao identificarem a embarcação, atribuíram-lhe a designação não oficial de "U137". Essa prática era comum durante a Guerra Fria, uma época de intensa rivalidade geopolítica entre os blocos Leste e Oeste. A União Soviética, por razões de segurança e sigilo militar, mantinha em segredo as designações oficiais da maioria de seus submarinos, não as divulgando publicamente. Assim, o Ocidente frequentemente criava seus próprios códigos e designações para identificar essas embarcações. O "U137" não era apenas um número; tornou-se um nome que encapsulava o mistério e a tensão de um período em que qualquer incursão em águas estrangeiras podia desencadear um conflito de proporções impensáveis. A Suécia, embora oficialmente neutra, estava estrategicamente localizada entre as duas superpotências, e incidentes como este serviam como lembretes constantes da frágil paz.
"Whiskey on the Rocks": Um Incidente Diplomático
O apelido "Whiskey on the Rocks" rapidamente se popularizou, sendo um trocadilho inteligente com o nome da classe do submarino ("Whiskey") e a expressão "on the rocks", que em inglês significa tanto "com gelo" (como a bebida) quanto "em apuros" ou "encalhado". A crise diplomática que se seguiu foi uma das mais sérias entre a Suécia e a União Soviética. Durante mais de dez dias, a Suécia deteve o submarino e sua tripulação, enquanto negociações intensas ocorriam em diversos níveis. O governo sueco exigia explicações e a retirada imediata da embarcação, enquanto Moscou inicialmente alegava uma falha de navegação e pedia o retorno seguro de seu navio. O incidente atraiu a atenção da mídia mundial, com repórteres de todas as partes convergindo para Karlskrona, ansiosos por cada detalhe deste drama internacional. A Suécia mobilizou forças militares para a área, incluindo navios de guerra e helicópteros, para monitorar a situação e garantir a soberania nacional, demonstrando sua firmeza diante da intrusão.
A Suspeita de Armas Nucleares
Um dos aspectos mais alarmantes e debatidos do incidente foi a forte suspeita de que o S-363 estava carregando armas nucleares. A Suécia, ao investigar o submarino, detectou níveis de radiação anômalos no interior da embarcação. Embora a União Soviética sempre tenha negado a presença de tais armas a bordo, relatórios de oficiais suecos e de inteligência ocidental sugeriam que os torpedos do submarino poderiam estar equipados com ogivas nucleares táticas, uma prática comum para submarinos dessa classe durante a Guerra Fria. Esta revelação elevou ainda mais a tensão, pois a presença de armas nucleares em águas territoriais de um país neutro representava uma violação grave do direito internacional e uma ameaça existencial. A possibilidade de um acidente nuclear ou de uma escalada inadvertida transformou o encalhe de um simples navio em uma questão de segurança global, mantendo o mundo em alerta máximo até que a crise fosse resolvida.
Resolução e Consequências
Após mais de uma semana de impasse e negociações delicadas, que envolveram até ameaças implícitas de uso da força por parte da Suécia se o submarino não fosse retirado sob suas condições, o incidente foi finalmente resolvido. Em 6 de novembro de 1981, o submarino S-363 foi desencalhado com a assistência de rebocadores suecos e, sob escolta militar, foi conduzido para águas internacionais, onde foi recebido por navios soviéticos. A Suécia liberou a tripulação, mas não sem antes interrogar o capitão, Pyotr Gushchin, que admitiu ter cometido erros de navegação. Contudo, a explicação oficial sueca sustentou que o submarino estava deliberadamente em águas suecas, talvez em uma missão de espionagem ou para testar as defesas navais suecas. O incidente deixou um legado de desconfiança nas relações Suécia-União Soviética, expondo a vulnerabilidade da Suécia e reforçando a sua postura de defesa. Serviu como um lembrete contundente das realidades e perigos da Guerra Fria, e até hoje é estudado como um caso clássico de diplomacia coercitiva e gestão de crises.
Perguntas Frequentes (FAQs)
- Quando e onde o submarino S-363 encalhou?
- O submarino encalhou em 27 de outubro de 1981, nas águas costeiras de Gåsefjärden, perto de Karlskrona, na Suécia.
- Por que o submarino era conhecido como U137?
- U137 era a designação não oficial sueca para o submarino. A União Soviética mantinha em segredo os nomes e números de seus submarinos por motivos de segurança, levando o Ocidente a criar suas próprias identificações.
- O que significa "Whiskey on the Rocks"?
- É um trocadilho com o nome da classe do submarino (Whiskey) e a expressão em inglês "on the rocks", que significa tanto "com gelo" (referente à bebida) quanto "em apuros" ou "encalhado", descrevendo perfeitamente a situação do submarino.
- Havia armas nucleares a bordo do S-363?
- Embora a União Soviética tenha negado, a Suécia detectou anomalias de radiação, e a inteligência ocidental sugeriu fortemente que o submarino poderia estar carregando torpedos com ogivas nucleares táticas.
- Qual foi a principal consequência do incidente?
- O incidente do "Whiskey on the Rocks" causou uma grave crise diplomática entre a Suécia e a União Soviética, expondo a tensão da Guerra Fria, a desconfiança mútua e a vulnerabilidade da Suécia, além de reforçar sua política de defesa e vigilância costeira.

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