Durante a Guerra Civil Cambojana, os massacres da minoria vietnamita resultaram em 800 corpos fluindo pelo rio Mekong para o Vietnã do Sul.
Entre 1970 e 1975, o Camboja foi palco de um conflito devastador conhecido como a Guerra Civil Cambojana (em Khmer: សង្គ្រាមស៊ីវិលកម្ពុជា). Esta guerra fratricida colocou as forças do Partido Comunista do Kampuchea, mais amplamente conhecido como Khmer Vermelho – um movimento radical apoiado pelo Vietnã do Norte e pelos Viet Cong – contra as forças governamentais do Reino do Camboja. Após outubro de 1970, o Reino foi sucedido pela República Khmer, que continuou a luta, contando com o apoio dos Estados Unidos e do Vietnã do Sul.
A dinâmica do conflito foi intrinsecamente complicada pela profunda influência e pelas ações diretas dos aliados de ambos os lados. A presença do Exército Popular do Vietnã do Norte (PAVN) no Camboja, por exemplo, não era um fim em si, mas uma estratégia vital para proteger as suas áreas de base e santuários localizados no leste cambojano. Estes refúgios eram cruciais para a logística e a continuidade da sua campanha militar no Vietnã do Sul, sem os quais o esforço de guerra vietnamita seria significativamente dificultado. Curiosamente, essa presença inicial do PAVN foi tolerada pelo então chefe de estado cambojano, o Príncipe Sihanouk, num delicado equilíbrio de poder regional.
No entanto, a crescente resistência interna no Camboja, aliada à contínua assistência militar e material que a China e o Vietnã do Norte forneciam ao Khmer Vermelho, um grupo antigovernamental que ganhava força, começou a alarmar Sihanouk. Em um movimento desesperado para conter a situação, o Príncipe viajou a Moscou para solicitar que a União Soviética interviesse e refreasse o comportamento do Vietnã do Norte. A situação política interna no Camboja, contudo, já estava em ebulição. Em março de 1970, após protestos em larga escala na capital contra a presença das tropas do PAVN no país, a Assembleia Nacional do Camboja depôs Sihanouk. Este golpe político ascendeu ao poder um governo claramente pró-americano, que mais tarde se declararia a República Khmer. Uma das primeiras exigências do novo governo foi a retirada imediata do PAVN do território cambojano. O PAVN, contudo, recusou-se a acatar a ordem e, em um movimento estratégico e decisivo, invadiu o Camboja em força, a pedido do próprio Khmer Vermelho, marcando uma escalada brutal no conflito.
Entre março e junho de 1970, as forças norte-vietnamitas avançaram rapidamente, capturando grande parte do nordeste do país em confrontos com o exército cambojano. Parte das terras conquistadas foi subsequentemente entregue ao Khmer Vermelho, acompanhada de outras formas de assistência, fortalecendo significativamente o que, àquela altura, era ainda um pequeno movimento de guerrilha. O governo cambojano, ciente da ameaça crescente, apressou-se em expandir o seu exército para fazer frente tanto aos norte-vietnamitas quanto ao poder emergente do Khmer Vermelho. Os Estados Unidos, por sua vez, tinham motivações claras para o seu envolvimento: ganhar tempo para a retirada das suas próprias tropas do Sudeste Asiático, proteger o seu aliado no Vietnã do Sul e, crucialmente, impedir a expansão do comunismo para o Camboja. Forças americanas, sul-vietnamitas e norte-vietnamitas participaram diretamente nos combates em diferentes momentos. Os EUA apoiaram o governo central cambojano através de maciças campanhas de bombardeio aéreo, além de fornecerem material e ajuda financeira direta. Enquanto isso, os norte-vietnamitas mantinham soldados nas terras que haviam ocupado, ocasionalmente engajando o exército da República Khmer em combate terrestre.
Após cinco anos de lutas selvagens e devastadoras, o governo republicano foi finalmente derrotado em 17 de abril de 1975, quando o vitorioso Khmer Vermelho proclamou o estabelecimento do Kampuchea Democrático. A guerra deixou um rastro de destruição e uma crise humanitária sem precedentes no Camboja, com cerca de dois milhões de pessoas – mais de 25% da população – deslocadas das áreas rurais para as cidades, especialmente Phnom Penh. A capital cambojana, que contava com aproximadamente 600.000 habitantes em 1970, viu sua população inchar para uma estimativa de quase 2 milhões em 1975, refletindo o êxodo rural. Lamentavelmente, crianças foram amplamente utilizadas durante e após o conflito, muitas vezes sendo persuadidas ou forçadas a cometer atrocidades indizíveis. O governo cambojano estimou que mais de 20% das propriedades do país foram destruídas. No total, a guerra resultou na morte de aproximadamente 275.000 a 310.000 pessoas.
Este conflito brutal foi uma parte integrante da Segunda Guerra da Indochina (1955-1975), um cenário mais amplo que também engoliu o vizinho Reino do Laos e o Vietnã (dividido em Vietnã do Sul e Vietnã do Norte), referidos individualmente como a Guerra Civil do Laos e a Guerra do Vietnã, respectivamente. A Guerra Civil Cambojana é lamentavelmente lembrada como o prelúdio direto para o Genocídio Cambojano, um dos eventos mais sangrentos e desumanos da história recente.
Vietnamitas Cambojanos: Uma Comunidade Desafiada
O termo Vietnamitas Cambojanos refere-se ao grupo étnico de vietnamitas que vivem no Camboja, ou a vietnamitas que possuem descendência total ou parcial Khmer. As estimativas sobre o tamanho desta comunidade variam drasticamente e refletem a complexidade das relações políticas e étnicas na região. De acordo com fontes cambojanas, em 2013, havia cerca de 15.000 vietnamitas residindo no Camboja. Em contraste, fontes vietnamitas apontam para um número de 156.000 pessoas vivendo no país, enquanto estudiosos independentes sugerem que o número real poderia estar entre 400.000 e um milhão de pessoas.
Geograficamente, os vietnamitas cambojanos residem principalmente nas regiões do sudeste do Camboja que fazem fronteira com o Vietnã, ou em casas flutuantes nos lagos e rios, como o lago Tonlé Sap e os rios Mekong, que são fontes vitais de subsistência. A chegada dos primeiros vietnamitas para se estabelecerem no Camboja moderno remonta ao início do século XIX, durante a era dos senhores Nguyễn. No entanto, a maioria dos vietnamitas migrou para o Camboja durante dois períodos distintos: a administração colonial francesa, que facilitava a migração laboral, e o período da administração da República Popular do Kampuchea, após a queda do Khmer Vermelho.
A década de 1970 representou um período de terror para esta comunidade. Durante os governos da República Khmer e, especialmente, do Khmer Vermelho, os vietnamitas foram alvos de campanhas de genocídio em massa. Milhares de vietnamitas foram brutalmente assassinados, e muitos outros buscaram refúgio no Vietnã, fugindo da perseguição. As relações étnicas entre cambojanos e vietnamitas continuam a ser precárias e tensas até os dias de hoje. Desde a década de 1990, os vietnamitas têm sido, infelizmente, o principal alvo de ataques xenófobos por parte de partidos políticos cambojanos, que exploram sentimentos nacionalistas e históricos. Como resultado dessa situação, a maioria dos vietnamitas no Camboja é considerada residente apátrida, o que os coloca em uma posição vulnerável e os confronta com dificuldades significativas no acesso a serviços básicos como educação, emprego e moradia, perpetuando um ciclo de marginalização.
FAQs sobre a Guerra Civil Cambojana e os Vietnamitas Cambojanos
- O que foi a Guerra Civil Cambojana?
- Foi um conflito armado que ocorreu no Camboja entre 1970 e 1975, opondo o Partido Comunista do Kampuchea (Khmer Vermelho), apoiado pelo Vietnã do Norte e Viet Cong, contra o governo do Reino do Camboja e, posteriormente, da República Khmer, apoiados pelos Estados Unidos e Vietnã do Sul.
- Quais foram as principais causas e fatores que complicaram a guerra?
- As causas incluíram a polarização política interna, a presença de forças vietnamitas do norte no território cambojano como refúgio estratégico para a Guerra do Vietnã, e a intervenção de potências externas (EUA, Vietnã do Norte, China) que apoiavam diferentes facções. A deposição do Príncipe Sihanouk e a ascensão de um governo pró-americano também foram pontos de virada cruciais.
- Que papel os Estados Unidos desempenharam no conflito?
- Os Estados Unidos apoiaram o governo da República Khmer com maciços bombardeios aéreos, além de ajuda material e financeira. O envolvimento americano visava ganhar tempo para sua retirada do Sudeste Asiático, proteger o Vietnã do Sul e impedir a expansão comunista.
- Quais foram as principais consequências humanitárias e políticas da guerra?
- A guerra resultou em uma crise de refugiados massiva, com dois milhões de pessoas deslocadas, e um alto número de mortos (entre 275.000 e 310.000). Politicamente, a vitória do Khmer Vermelho levou ao estabelecimento do Kampuchea Democrático e, subsequentemente, ao Genocídio Cambojano, um dos mais brutais da história.
- Quem são os Vietnamitas Cambojanos e quais desafios enfrentam?
- São vietnamitas que vivem no Camboja ou seus descendentes. Historicamente, foram alvo de perseguição e genocídio na década de 1970. Atualmente, enfrentam desafios como discriminação, ataques xenófobos de partidos políticos e, frequentemente, a condição de apátridas, o que restringe seu acesso a educação, emprego e moradia.
- Qual a relação entre a Guerra Civil Cambojana e a Guerra do Vietnã?
- A Guerra Civil Cambojana foi parte da Segunda Guerra da Indochina, que também incluiu a Guerra do Vietnã. O território cambojano serviu como santuário para as forças norte-vietnamitas e Viet Cong, tornando-se um palco de conflito indireto e, depois, direto na luta regional pela hegemonia e ideologias.