A Rússia testemunhou um período de efervescência social e política significativa entre 2017 e 2018, marcado por uma série de protestos de rua e manifestações em larga escala que ecoaram em todo o país. Esses movimentos, embora distintos em suas causas imediatas, frequentemente se entrelaçaram, refletindo um crescente descontentamento público com questões arraigadas de governança e justiça social. O epicentro dessas manifestações residia na condenação da corrupção governamental, uma batalha que se estendeu de março de 2017 até a primavera de 2018, e, posteriormente, na vigorosa oposição ao planejado aumento da idade de aposentadoria, que dominou as pautas de protesto de junho a dezembro de 2018.
A Onda Anticorrupção de 2017 e o Papel de Alexey Navalny
Os protestos anticorrupção iniciaram-se de forma contundente em março de 2017, liderados principalmente pelo proeminente opositor Alexey Navalny. Sua figura carismática e seu trabalho incansável através da Fundação Anticorrupção (FBK) tornaram-se um catalisador para a mobilização, atraindo o apoio de diversos grupos, incluindo o Partido Libertário, a Rússia Aberta e Artpodgotovka. Embora a crise financeira russa de 2014-2016 tenha contribuído para um clima de tensão econômica, as raízes desses protestos eram mais profundas, alinhando-se a uma perceção generalizada de corrupção sistémica que permeava todos os níveis do poder russo, desde o local até os mais altos escalões do Kremlin.
O Contexto e o Gatilho: "Ele Não É Dimon Para Você"
O estopim para a primeira grande onda de protestos em março de 2017 foi o lançamento do documentário investigativo "Ele Não É Dimon Para Você" (Он вам не Димон) pela Fundação Anticorrupção de Navalny. O filme, amplamente divulgado no YouTube e que rapidamente acumulou milhões de visualizações, expunha supostas atividades corruptas envolvendo o então primeiro-ministro Dmitry Medvedev. A investigação detalhava um vasto império imobiliário e de bens de luxo alegadamente controlados por Medvedev através de uma complexa rede de fundações de caridade. Num país já sob pressão devido a fatores como a controversa demolição planeada de apartamentos em Moscovo e as prolongadas greves de camionistas contra o sistema de portagens Platon (em curso desde 2015), as revelações do filme acenderam um pavio de descontentamento latente.
Mobilização Nacional e a Resposta Estatal
A resposta das autoridades russas ao filme investigativo foi de desdém e negação, o que apenas intensificou a indignação pública. Em 26 de março de 2017, uma onda de protestos nacionais contra a suposta corrupção varreu mais de 100 cidades em toda a Rússia. Em Moscovo, a capital, dezenas de milhares de manifestantes, desafiando a forte presença policial, gritavam palavras de ordem como "Vergonha!", "Medvedev, demite-te!" e "Putin é um ladrão!". A reação do Estado foi imediata e repressiva: a tropa de choque (OMON), equipada com coletes à prova de bala e capacetes, deteve mais de 1.000 manifestantes no centro da cidade, incluindo o próprio Alexey Navalny.
Apesar da repressão, o clamor popular ressoava. Uma pesquisa do Centro Levada, uma organização independente, revelou que 38% dos russos inquiridos apoiavam os protestos e que 67% consideravam Putin "totalmente" ou "em grande medida" responsável pela corrupção de alto nível. Uma nova vaga de protestos em massa ocorreu em 12 de junho de 2017. A prisão de Navalny em 29 de setembro, horas antes de um comício planeado em Nizhny Novgorod, levou a um anúncio de outra vaga de protestos para 7 de outubro, coincidindo com o aniversário de Putin, num claro sinal de desafio ao poder estabelecido.
A Reforma da Previdência de 2018 e a Convergência dos Protestos
Em 2018, os protestos e as revoltas continuaram, e a tendência para a radicalização tornou-se mais visível. No entanto, a pauta de reivindicações expandiu-se e se sobrepôs com a introdução de uma reforma da previdência impopular. Em 14 de junho de 2018, o governo russo propôs um projeto de lei para aumentar a idade de aposentadoria de 60 para 65 anos para homens e de 55 para 63 anos para mulheres. Esta medida, justificada por preocupações demográficas e financeiras, gerou uma revolta generalizada, especialmente entre a população mais velha e os trabalhadores próximos da aposentadoria, que a viam como uma traição aos seus direitos sociais. A impopularidade da reforma da previdência foi tão grande que, em alguns momentos, os protestos contra ela superaram em número os anteriores movimentos anticorrupção, consolidando um sentimento de desconfiança e frustração para com as políticas governamentais.
A Intensificação e a Radicalização dos Movimentos
Os protestos contra a reforma da previdência, embora com diferentes organizações e líderes em algumas cidades, rapidamente se fundiram com o sentimento anticorrupção preexistente, demonstrando que o descontentamento era multifacetado. As manifestações de maio de 2018, que ocorreram dois dias antes da posse de Putin para o seu quarto mandato presidencial, viram um número recorde de manifestantes detidos em diversas cidades, sinalizando a crescente repressão estatal e a determinação dos manifestantes. Comícios em massa foram realizados em mais de 60 cidades em toda a Rússia, sublinhando a amplitude geográfica do movimento.
Legado e Impacto
Os protestos de 2017-2018 representaram um dos maiores desafios à autoridade do Kremlin em anos, expondo fissuras significativas na sociedade russa e a capacidade de mobilização da oposição, especialmente através das redes sociais. Embora a reforma da previdência tenha sido eventualmente aprovada, com algumas concessões do governo para tentar acalmar a população, os protestos deixaram um legado de desconfiança e um precedente para a ação cívica. No entanto, também foram acompanhados por um aumento da repressão política e um cerco mais apertado à oposição e à liberdade de expressão, demonstrando a determinação do Estado em controlar o espaço público e silenciar vozes dissidentes. A figura de Alexey Navalny consolidou-se como um símbolo da resistência, embora sua atuação tenha sido subsequentemente alvo de perseguição intensificada.
Perguntas Frequentes (FAQs)
- Quais foram as principais razões para os protestos de 2017-2018 na Rússia?
- Os protestos foram impulsionados principalmente por duas questões: a alegada corrupção no governo russo, especialmente as denúncias contra o primeiro-ministro Dmitry Medvedev, e a impopular reforma para aumentar a idade de aposentadoria.
- Quem liderou os protestos anticorrupção?
- Os protestos anticorrupção foram liderados principalmente pelo opositor Alexey Navalny e sua Fundação Anticorrupção (FBK), que utilizava investigações jornalísticas para expor irregularidades.
- O que era o filme "Ele Não É Dimon Para Você"?
- "Ele Não É Dimon Para Você" foi um documentário investigativo produzido pela Fundação Anticorrupção de Navalny que alegava um vasto império de riqueza e propriedades secretas associadas ao então primeiro-ministro Dmitry Medvedev.
- Qual foi a resposta do governo aos protestos?
- O governo russo respondeu aos protestos com forte repressão, incluindo prisões em massa de manifestantes e líderes da oposição, bloqueios de informações e negação das acusações de corrupção. A reforma da previdência foi aprovada, embora com algumas alterações para mitigar o descontentamento popular.
- Os protestos alcançaram os seus objetivos?
- Embora a corrupção governamental tenha permanecido uma questão, os protestos forçaram o governo a reconhecer a insatisfação pública. A reforma da previdência foi implementada, mas o forte feedback levou a pequenas concessões. O principal impacto foi demonstrar a capacidade de mobilização da oposição e a profundidade do descontentamento social, apesar da crescente repressão.
- Quão generalizados foram esses protestos?
- Os protestos foram amplamente generalizados, ocorrendo simultaneamente em mais de 100 cidades em toda a Rússia em 2017 e em mais de 60 cidades em 2018, indicando um descontentamento nacional e não apenas localizado.
- O que aconteceu com Alexey Navalny após esses protestos?
- Após os protestos, Alexey Navalny continuou sua atividade de oposição, mas foi alvo de crescente perseguição política, incluindo várias prisões e condenações, e um envenenamento em 2020. Foi posteriormente detido e encarcerado na Rússia.

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